"Quem me julga pela aparência, corre o
  risco de nunca ver verdadeiramente meu coração."

Em nossas lembranças, os momentos felizes
  de um grande amor tornam-se eternos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A ARTE DE SER FELIZ



Cecília Meireles
"Houve um tempo em que minha janela se abria para um chalé.
Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul.
Nesse ovo costumava pousar um pombo branco.
Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo
de louça, o pombo parecia pousado no ar.
Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal.
No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores.
Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava?
Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência?
E que mãos as tinha criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las?
Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro,
onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda.
A sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo dia sentada uma mulher
cercada de crianças. E contava histórias.
não podia ouvir e mesmo que a ouvisse não a entenderia,
porque isso foi muito longe, num idioma difícil.
Mas as crianças tinham tal expressão no rosto,
e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis,
que eu participava do auditório, imaginava o assunto e suas peripécias
e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade
que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs um pobre homem com um balde em silêncio,
ia atirando com a mão gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega; era uma espécie de aspersão ritual,
para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros,
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que encontro pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes um galo canta. às vezes um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas,
de que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."


2 comentários:

Maria Flor disse...

Olá Suely! Vim pra dar uma olhadinha em seu blog Masusoco e tô achando bem legal mesmo!
Esta músik d fundo é uma delícia d ouvir, acalma a alma. Bzus...

Mary Jane disse...

Olá, vim dar uma visitinha em seu espaço tb! E valeu a pena!! :)

Apareça sempre que quiser, ok?

Grande beijo,
Mary Jane